O fracasso da reforma agrária
Maria Lucia Victor Barbosa
O assunto da reforma agrária continua em destaque nos principais jornais do País, e, por isso, a ele retorno. Hoje, porém, gostaria de apresentar minha análise, lembrando que em 1940 apenas 31% da população brasileira era urbana. Em 1970 inverteu-se esta composição, pois 55,92% da população já se situava nas cidades contra 44,07% que permanecia no campo. Isto resultou num processo de mudança social e, portanto, da alteração da dimensão societária da pobreza. Na década de 80 já tínhamos 67,59% da população no meio urbano e 32,43% no meio rural. No momento, mais de 80% dos brasileiros se encontram espalhados pelas cidades e, especialmente, concentrados nos grandes centros urbanos.
O êxodo rural que provocou as aglomerações da miséria teve, como se sabe, várias causas que se entrelaçaram. Resumidamente podem ser citadas como principais as seguintes: Industrialização: este fenômeno provocou a expansão dos centros urbanos, que se converteram em focos de atração para as populações rurais. Avanços tecnológicos: estes avanços possibilitaram a redução da mão-de-obra. O trabalho braçal foi aos poucos substituído por maquinário e equipamentos modernizados. Leis trabalhistas: feitas para proteger os interesses do trabalhador rural, paradoxalmente ajudaram a inviabilizar sua permanência no campo, pois as exigências excessivas que essas leis continham fizeram com que muitos produtores rurais não pudessem suportá-las.
Ao mesmo tempo, estes se viram às voltas com a ‘‘indústria trabalhista’’, ou seja, com uma avalanche de pendências judiciais exorbitantes, as quais contaram com a benevolência de juízes trabalhistas sempre favoráveis ao trabalhador rural. Tal situação determinou a dispensa de muitos trabalhadores do campo e sua substituição por mão-de-obra temporária. Atração do meio urbano: Este fator, como os da industrialização e dos avanços tecnológicos relativos aos insumos, se constituiu em tendência mundial e, mesmo nosso caso, os mais pobres, com todas as dificuldades que enfrentam, preferiram as cidades onde encontram maiores oportunidades em termos de saúde, educação e lazer, o que contrasta com o isolamento e o árduo e constante trabalho no campo.
Paralelamente a este processo, o vácuo criado pela inabilidade e pela inoperância do Estado, e também pelo próprio contexto cultural, social e econômico brasileiro, criou as condições propícias para a emergência de certos movimentos, entre eles o MST, cujos antecedentes remontam às Ligas Camponesas de Francisco Julião que em finais dos anos 60 assustavam proprietários rurais ao reivindicar terras e maiores salários. Assim, em finais de 70, formou-se a frente composta por partidos de esquerda – notadamente pelo PT –, por setores da Igreja Católica e por lideranças como a do economista João Pedro Stédile que ainda acredita na receita da ‘‘revolução da classe proletária’’ para a implantação do socialismo no Brasil. Disto brotou o MST.
Contando inicialmente com a simpatia da população brasileira, o MST acabou por inverter esta aceitação por conta do caráter violento das invasões que prodigaliza e, agora, das ações não menos violentas no meio urbano. Além disto, o MST entrou num processo de autofagia na medida em que começa a apresentar as mazelas que atribui somente ao ‘‘capitalismo burguês’’, como a retenção de 3% – o chamado pedágio – de recursos públicos que deveriam ser aplicados à reforma agrária, ou mesmo escândalos mais graves como, por exemplo, o crime de apropriação indébita realizado pela Cooperativa de Trabalhadores Rurais e Reforma Agrária do Centro-Oeste do Paraná (Coagri), de Laranjeiras do Sul, que segundo o jornalista Josias de Souza, da Folha de São Paulo, retém 40% dos financiamentos do Banco do Brasil para assentados.
Também foi fartamente noticiado pela imprensa, ‘‘que o sistema de achaque funciona através do Projeto Lumiar, montado pelo governo para prestar assistência técnica a todos os assentamentos. Os técnicos assessores contratados pelo Incra são escolhidos pelo MST, e sem seu aval não sai financiamento’’. (O Estado de S. Paulo, 16/5/2000). Outras graves irregularidades com relação ao MST começam a ser levantadas, e nelas se observa o assentimento do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Enquanto isso, submetido às pressões do MST, o governo faz farta distribuição de terras e de recursos para o que convencionou-se chamar de reforma agrária. E o que é pior, à custa do sacrifício do contribuinte brasileiro e dos que verdadeiramente produzem no campo, mas sem nenhum ou praticamente nenhum retorno em termos de produção agrícola.
Alguns trechos da entrevista de Francisco Graziano Neto, publicada em ‘‘O Estado de São Paulo’’, na última segunda-feira, referendam o que venho alertando há tempos. Graziano, homem que abertamente se diz de esquerda, foi presidente do Incra, secretário de Agricultura de São Paulo, é autor de vários livros, professor e doutor em economia agrícola, deputado federal e vice-líder do PSDB na Câmara.
Segundo ele, o governo FHC já distribuiu 12 milhões de hectares e gastou R$ 12 bilhões no programa agrário, fora as verbas do orçamento que serão executadas agora. ‘‘O programa tem mais terras do que a área agrícola de São Paulo, Paraná e Minas Gerais somados, mas não apresenta produção’’. E mais adiante acrescenta: ‘‘O MST está perdido...’’ ‘‘... e a gente percebe que o MST não é mais um movimento social; é um movimento político que quer tomar pela força os meios de produção e o poder’’.
De minha parte, concluo que o atual modelo de reforma agrária fracassou por ser obsoleto. Mesmo porque, atualmente é impossível fazer o homem retornar ao campo. Invista, então, o governo, nas cidades, propiciando melhores níveis de educação, saúde e emprego. Com relação ao emprego, poderá contar, como já conta, com a agricultura modernizada, geradora do agronegócio. Retomar a agricultura familiar e o minifúndio, investindo nisto bilhões, é suicídio coletivo. Porém, ainda é tempo de reverter a catástrofe.
- MARIA LUCIA VICTOR BARBOSA é socióloga, escritora e professora universitária em Londrina. E-mail: [email protected]