"Deu no New York Times: Fernando, o belo, não sabe se vai participar do próximo campeonato de surf ferroviário. Surfista de trem, surfista de trem (...)

Há tempos o New York Times (considerado o maior jornal do mundo; li em algum lugar, não sei se é ou o apodo exagera) se ocupa da liturgia latino-americana e, vez por outra, o faz com grande dose de humor – a ponto de merecer a atenção de Jorge Bem Jor (quando este era apenas Bem) em 1992, e pariu sua belíssima canção cujo trecho colaciono acima...

Vamos à canção. Ela revela genialidades explícitas (a matéria retratando a dúvida de Fernando, o belo) e implícitas (Tim Maia de síndico é o nirvana do ‘nonsense’ – e aqui não vai nenhuma crítica a um dos gênios de nossa música: Tim apenas não era suficientemente ‘organizado’ para ser síndico de nada – haja vista que conseguiu a proeza de construir uma casa em terreno alheio, vizinho de um seu lote).

Mas não é de Bem Jor, nem de Tim Maia, que pretendemos falar (azar de vocês: a leitura seria muito mais feliz e inteligente), e sim do hábito do New York Times retratar latino américa, quase sempre de forma burlesca ou escapista – ainda que o burlesco seja o apanágio do escapismo...

São raras as matérias que nos retratam por outro prisma. Nosso sistema de justiça, por exemplo, quase nunca é objeto de atenção crítica do grande jornal nova-iorquino, mas essa pasmaceira foi afrontada: ‘o leque se partiu, aflorou uma verbena’...

Fato é: Noticia o New York Times, em matéria assinada pelo cientista político Gaspard Estrada, que ‘Moro corrompeu o sistema judicial e é responsável direto pelo caos que o Brasil vive hoje’...

Recomendo a leitura...

Deveras, o que os diálogos tirados do aplicativo celular dos procuradores (Telegram) estão revelando, cotidianamente, é de fazer corar miss Lovelace em seus melhores momentos; um verdadeiro Deep Throat contemporâneo que nos mostra a faceta criminosa (respeitosa licença) de parcela menor de nossas instituições, por absoluta ausência de controle das instâncias...

O desserviço que a operação lava jato (assim, minúscula, como sói ser) significou/a para nosso sistema de justiça é digno da construção esgrimida pelo Ministro Gilmar Mendes: ‘maior escândalo judiciário do mundo’...

É flagrante a perda de legitimidade dos atores envolvidos na empreitada rocambolesca apelidada pela PIG (consórcio familiar dos frias + marinho + mesquita + civita) de ‘operação’, e conhecida também como ‘lava jato’.

O descalabro noticiado no New York Times pariu a maior contradição normativa identificada em nossa história recente (do século XX até nossos dias) e a paternidade aponta os jovens falantes e ‘estadunizados’, em associação criminosa com o juiz condutor da tramoia (também conhecida como ‘operação lava jato’).

É repisar, em ordem a não esquecer: Deflui diretamente do ‘modus operandi’ dos condutores da investigação, em associação criminosa com o juiz condutor do espetáculo midiático, a corrupção de nosso sistema legal, conforme os diálogos comprovam e a matéria do New York Times enquadra. Ponto!

Terra devastada. Infértil (e não estamos em abril, nem no norte da América). Vai nos custar tanto que temo pela não recuperação dogmática se, bem depressa, não houver uma resposta pronta e nos limites do devido processo, ditada por nossa Corte Suprema.

Não há meio termo. A pessoa é (honesta) ou não é. Por conseguinte, um sistema judiciário é confiável ou não é um sistema judiciário...

Alhures, desde aquela noite memorável onde o homem contratou o convívio, estabelecendo limites e represando os abusos (de toda natureza), os sistemas ligados ao contrato social (o judiciário principalmente) sobrevivem da confiança que os jurisdicionados (povo) lhe depositam.

Não há força normativa apartada do substrato de confiança que se desenha nas relações institucionais. Não há um poder que se exerça per si. O que dá lume, o que sustenta a roda da vida é, justamente, para o bem e para o mal, o equilíbrio matriculado na confiança de um povo em seu sistema legal.

Este conceito é histórico e seu desafio se identifica na afronta ao preceito ético mínimo do estado, conquanto seja este o índex regulador da necessidade de confiança do jurisdicionado na jurisdição...

O que se fez no Brasil, enquanto você dormia, em nome e por conta do estado de direito e sob a chancela da ‘operação lava jato’ não foi democrático, tampouco dogmático. Foi corrompedor e, corrompido está nosso sistema legal neste ponto – desde então...

“Sapo não pula por boniteza, mas porém por percisão", já disse Guimarães Rosa, em sua A hora e a vez de Augusto Matraga. Por hora e com a benção, o chapéu e a pena do mais extraordinário dos Joãos, sigamos no refazimento de nosso sistema judiciário, corrompido pelo consórcio ilícito (de procuradores com o juiz) que a operação lava jato pariu. Todo o demais é conversa fiada que não informa o estado democrático de direito.

Tristes e corrompidos trópicos...

João dos Santos Gomes Filho, advogado

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