Em "Divertida Mente 2", filme dirigido por Kelsey Mann, a personagem Riley está entrando na adolescência e, com isso, novos sentimentos passam a surgir como ansiedade, tédio, vergonha, inveja e nostalgia. Como se a enxurrada de sentimentos não fosse o bastante para alguém tão jovem, a puberdade dá as caras.

Psicóloga com formação em Terapia Cognitiva Comportamental, Mariana Precinotto Maschetti considera esse um pacote e tanto a ser administrado pela personagem - que representa uma fase pela qual a maioria vivencia e se identifica com as situações do longa-metragem.

"Durante a adolescência, a ansiedade pode ser a emoção prevalente, já que o sistema de recompensa e de detecção de medo e perigo assumem o controle do córtex pré-frontal, região responsável pelo raciocínio e a tomada de decisões", explica.

Mariana Precinotto Maschetti , psicóloga: "Durante a adolescência, a ansiedade pode ser a emoção prevalente, já que o sistema de recompensa e de detecção de medo e perigo assumem o controle"
Mariana Precinotto Maschetti , psicóloga: "Durante a adolescência, a ansiedade pode ser a emoção prevalente, já que o sistema de recompensa e de detecção de medo e perigo assumem o controle" | Foto: Divulgação

Entretanto, segundo Maschetti, na adolescência o córtex pré-frontal ainda não está 100% desenvolvido, pois ele se forma entre os 20 aos 25 anos, e isso faz com que a Riley não saiba lidar com as emoções que está sentindo.

No filme, a puberdade está fazendo uma obra, então amplia e modifica o painel de controle ao ponto de as emoções já estabelecidas não entenderem mais os botões do painel. Elas tentam “controlar” Riley mas os botões não correspondem ao que eram antes e assim a desorganização está feita.

A metáfora faz sentido. "Porque na puberdade acontecem várias mudanças de circuitos e alterações de neurotransmissores e Riley, por sua vez, experimenta as emoções com mais intensidade do que havia experimentado durante a infância", observa.

"Já no primeiro ato do filme, a Alegria e a Ansiedade se desentendem, fazendo com que a Ansiedade expulse a Alegria do painel de controle para tomar a frente das emoções, criando mais força já que ela é útil ao prever os todos os possíveis cenários e fazer com que a Riley sinta mais a realidade das situações", conta a psicóloga.

A FUNÇÃO DA ANSIEDADE

Segundo a especialista, a ansiedade é um comportamento que foi selecionado ao longo da evolução humana pela proteção e estado de alerta que nos fornece, mas em algum momento isso começa a se tornar disfuncional e as situações perdem o controle.

"No filme, a ansiedade é representada por uma personagem sem nariz, o que já representa a falta de ar, sufocamento, o não conseguir respirar. Além disso, sempre está de um lado para o outro e surge prevendo o que pode acontecer em diversos cenários e fazendo com que a Riley se dedique mais ao que precisa fazer para alcançar seus objetivos. Até o momento em que ela domina tudo e perde o controle", descreve.

A ansiedade não é um sentimento ruim e, em determinado momento, ressalta que só estava tentando proteger a Riley, já que é um mecanismo de defesa. "As memórias da Riley constroem o “self”, a visão que ela tem sobre ela, a consciência sobre si. Mas, com todas as mudanças nas emoções, começa uma crise existencial devido ao senso do eu, que é muito comum acontecer durante a adolescência".

ADOLESCÊNCIA E QUADROS PSIQUIÁTRICOS

A psicóloga Mariana Precinotto Maschetti destaca que estudos científicos comprovam que é durante a adolescência a maior chance de desenvolvimento de quadros psiquiátricos. "Do ponto de vista neurocientífico, as memórias de curto e de longo prazo são influenciadas pelas emoções positivas e negativas".

E nos dá um exemplo: "Algumas emoções traumáticas são descartadas para não influenciar em nossas vidas, como se fossem blecautes na vida e uma proteção do cérebro em relação ao trauma. No filme isso é representado no túnel da memória, sendo possível perceber no desfecho que todas as emoções são necessárias para Riley e precisam juntas controlar o painel, para ter um senso de eu híbrido e não rígido".

Segundo a psicóloga, é indispensável o desenvolvimento da flexibilidade psicológica e a terapia ensina a importância de reconhecer e nomear emoções. "Um passo crucial para lidar com elas de maneira eficaz, visto que o maior erro que qualquer pessoa pode cometer é tentar não sentir suas emoções. A consciência aprofunda as emoções positivas e permite que as negativas se dissipem. Tentar evitar seus sentimentos só causará mais sofrimento", orienta.

Na vida real também, Maschetti pondera que a ansiedade não passará após a adolescência, continuará em nossas vidas. "Ela não é inimiga, só não deve assumir o controle porque fará você duvidar de si e de suas capacidades, ignorando todas as outras emoções. E nisso o roteiro do filme acertou muito bem ao pedir para a ansiedade relaxar na poltrona com um chá relaxante ao invés de expulsá-la. O filme deixa a lição de que não se pode controlar tudo, porém, é possível se planejar e se organizar de forma saudável".

* Leia a crítica de Carlos Eduarado Lourenço Jorge ao filme Divertida Mente 2

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