O hip hop é movimento, mas também um grito de vozes que encontraram nas rimas a oportunidade de denunciar as injustiças do lado quase sempre negligenciado pelo Estado, o lado das mulheres, do negro e do pobre. Um braço do movimento hip hop é a batalha de rimas. As batalhas são encontros entre MCs que improvisam rimas em uma espécie de ‘duelo’, a capela, através do beatbox ou com o auxílio de um Dj soltando o beat (a batida que será usada para os MCs criarem as rimas).

As batalhas de rimas são realizadas em vários bairros da cidade o que torna Londrina o principal circuito de rap do sul do Brasil
As batalhas de rimas são realizadas em vários bairros da cidade o que torna Londrina o principal circuito de rap do sul do Brasil | Foto: Isaac Fontana/ Frame Photo/ Folhapress

Londrina tem um dos principais circuitos de batalha de rima do sul do Brasil e o maior do Paraná. Ao todo são sete batalhas, de segunda à sexta-feira, uma em cada região da cidade - Batalha do Hemp na segunda, na pista do Bandeirantes (zona oeste); Batalha do 5 na terça, na Praça da Flapt (zona norte); Batalha do Galo na quarta, no Jardim Marieta (zona norte); Batalha do Antares na quinta, na Praça do Jardim Antares (zona leste); Batalha da Concha na sexta, no Zerão e ainda, a Batalha do ViBe, no bairro Vista Bela todo último domingo do mês (zona norte).

Wmc (segundo à esquerda) e Damião Mili  Anos (segundo à direita): duas lideranças do rap em Londrina
Wmc (segundo à esquerda) e Damião Mili Anos (segundo à direita): duas lideranças do rap em Londrina | Foto: Divulgação

A Batalha da Concha é a mais antiga e tradicional de Londrina, ativa desde 2008. A Batalha foi uma iniciativa do londrinense Washington Luis Dos Santos, conhecido como Wmc. “A Super Concha surgiu com a necessidade de realizar uma batalha grande. Nossa maior dificuldade sempre foi a falta de apoio do poder público.” A falta de apoio é um dos pontos colocados como obstáculo pela organização da Super Concha, uma dificuldade que surge por esta ser a única batalha realizada no centro da cidade e não nas periferias.

O secretário de Cultura de Londrina, Caio Cesaro, se coloca a favor das batalhas de rima, sobretudo da Batalha da Concha. “A gente tem feito um trabalho de apoio. Se há uma fala dizendo que a secretaria de cultura não apoia o hip hop em Londrina, há um equívoco. A nossa história mostra que a secretaria tem apoiado. Mas é um movimento forte, é um movimento grande, de vários grupos e obviamente às vezes fica difícil da gente atender todas as expectativas.”

O rap é forte em Londrina, com vários MCs e Djs o movimento já tem quase duas décadas na cidade
O rap é forte em Londrina, com vários MCs e Djs o movimento já tem quase duas décadas na cidade | Foto: Gustavo Carneiro/ Arquivos Folha

O apoio que pode ser oferecido pela prefeitura através da Secretaria de Cultura é limitado principalmente pelo conflito de interesses que foi se criando ao longo dos anos entre moradores do centro e o evento. “Alguns moradores jogavam ovos e outras porcarias no público na hora da Batalha, até o dia em que soltamos um rojão para cima em resposta à falta de educação desses moradores. No episódio eu acabei sendo apreendido e logo na sequência, depois de várias reuniões com algumas lideranças do poder público fomos para o Zerão,” aponta Wmc.

A reclamação dos moradores do centro sempre foi por conta do barulho e do fluxo de pessoas, mas a organização da batalha acredita que não seja só esse o ponto, já que por conta das limitações financeiras a estrutura de som instalada no evento uma vez por semana é pequena. “Não são todos os moradores do centro que pensam assim, mas tem aquela higienização: povo da periferia fica na periferia, povo do centro fica no centro, por isso eu digo que espaços públicos de lazer também precisam ser ocupados pela periferia. Nas periferias as batalhas acontecem com o apoio da comunidade, no centro a gente depende do apoio de órgãos públicos”, comenta Fernanda Jardini, que faz parte do público das batalhas e militante do movimento hip hop há 20 anos.

Um dos episódios mais problemáticos nos anos em que Batalha da Concha ainda acontecia na Concha Acústica, foi uma forte repressão policial. A blitz aconteceu no dia 12 de dezembro de 2013 e virou notícia na cidade e no estado, várias viaturas de choque cercaram o espaço com cerca de 500 pessoas participando da Batalha. Várias pessoas foram colocadas na parede, sendo revistadas em uma cena humilhante, já que de cima dos prédios os moradores batiam palmas.

As drogas e bebidas alcoólicas - outra crítica em relação às batalhas, principalmente a da Concha - são consumidas por pessoas que vão ao evento. Uma justificativa limitada e que reforça preconceitos, segundo os organizadores, já que jovens usando drogas e ingerindo álcool não são exclusividade das Batalhas de Rima, pelo contrário, o rap salva vidas - do crime e das drogas, segundo os ideais do movimento.

Lição de vida

São 40 anos de hip hop e 51 anos de idade, Damião Mili Anos é o maior exemplo de que o movimento hip hop não ensina apenas música. Na vida de Damião, o hip hop foi essencial para a sua recuperação do vício em álcool e drogas, inclusive por seu envolvimento com a Batalha da Concha, já que Damião é o DJ oficial do evento desde que surgiu. Através da batalha londrinense o DJ também passou a desenvolver em parceria com o Wmc, outros projetos, como o Domingo Recreativo nas periferias, iniciativa da ONG Alarme, também dirigida pelo Wmc.

Venezian é MC em Londrina e começou carreira na Batalha da Concha: "Para mulher é tudo mais difícil, ainda mais para quem é negra e faz rap"
Venezian é MC em Londrina e começou carreira na Batalha da Concha: "Para mulher é tudo mais difícil, ainda mais para quem é negra e faz rap" | Foto: Gustavo Carneiro/ Arquivo Folha

Identidade é a palavra que poderia facilmente resumir os encontros de rap, Venezian é uma jovem MC londrinense que começou sua carreira no rap através da Batalha da Concha e recentemente lançou um clipe em parceria com outras três MCs da cidade, TheCypherGhost IV, disponível no YouTube. “Quando estou batalhando ao mesmo tempo que estou cheia de mim, as vezes estou muito insegura. Por mais que tenha todas essas sensações é um lugar que eu sinto que é onde eu deveria estar, onde meu coração está completo. Para mulher tudo é mais difícil, ainda mais para quem é negra e ainda faz rap, mas isso acaba fortalecendo, uma das maiores inspirações é a dor.”

Jey Diaz conheceu o rap e as batalhas de rima através do skateboarding e é cria da Batalha da Concha. Wmc atualmente está morando em Portugal e Jey foi escolhido como um dos responsáveis pela organização da Batalha da Concha, juntamente com o DJ Damião Mili Anos. “A SuperConcha deve voltar o quanto antes, provavelmente em março, a gente precisa e necessita ter um movimento central, para reunir todo mundo e mostrar o quanto a gente é forte,” comemora.

* Supervisão: Célia Musilli

Editora da Folha 2