Imagem ilustrativa da imagem Um zilhão de perguntas
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Meu amigo Silvio, que é sociólogo formado na USP (embora incrivelmente não seja de esquerda), conversava com seu filho Tomás, que tem seis anos. Pai e filho estavam no carro, no trajeto da escola para casa.
— Pai, quantos algarismos tem o milhão?
— 7.
— E o bilhão tem 10, né?
— Isso.
— E o trilhão?
— 13. É um número bem grande.
— E o quadrilhão?
— São mil trilhões. Acho que são 16 algarismos.
— Hummm... a Luísa me falou que tem um número chamado zilhão.
— Não. Isso não é o nome do número. É só uma expressão, uma forma que usamos para falar de um número muito grande que não sabemos determinar. Por exemplo, quanto é um quadrilhão vezes um milhão? Você responde, ‘sei lá, é um zilhão!". Quantos grãos de areia tem numa praia? "Sei lá, um zilhão". É um jeito de falar qualquer quantidade muito grande que não dá nem pra contar. Entendeu?
— Sim.
Trinta segundos de silêncio.
— Papai, você se lembra que os números são infinitos, né?
— Claro.
— Então há muita chance de ter algum número lá pra frente chamado zilhão, né?
— É... pensando bem, parece que sim.
— Uai, por que se é infinito, não acaba nunca, vai faltar nome pra tanto número então deve ter algum chamado zilhão.
— Você tem razão.
— Pode ser que não tenha também, né? Mas a probabilidade é grande.
Silêncio novamente.
— Chegamos, Tomás, vai tirar o calçado e fazer a tarefa da escola.

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O mais incrível é que o pequeno Tomás parece usar a mesma metodologia aplicada pelo seu xará Tomás de Aquino no século XIV, ou seja, há mais de 700 anos. Na sua obra magna, a "Suma Teológica", o Doutor Angélico submete todas as questões importantes da teologia a uma série de perguntas e respostas diferentes e até mesmo antagônicas entre si, esmiuçando um determinado aspecto da realidade por todos os ângulos possíveis. É o que se chama de método escolástico.
Por exemplo:
— A misericórdia convém a Deus?
— PARECE QUE a misericórdia não convém a Deus, porque é uma espécie de tristeza e um relaxamento da justiça.
— EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz o Salmo 110: "O Senhor é benevolente e misericordioso".
— RESPONDO: A misericórdia deve ser ao máximo atribuída a Deus; porém, como efeito e não como emoção, fruto da paixão. Deve-se dizer que Deus age misericordiosamente, não que faça qualquer coisa contra a sua justiça, mas algo que ultrapassa a sua justiça. Por exemplo, se alguém dá duzentas moedas a quem são devidas duzentas moedas. Esse homem não age contra a justiça; age, porém, por liberalidade ou misericórdia. Fica claro que a misericórdia não suprime a justiça, mas é, de certa maneira, a plenitude da justiça.
O problema é que este outro Tomás a gente não pode mandar tirar o calçado e fazer a tarefa.

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