Em todas as mais charmosas e visitadas cidades dos vários continentes, os governos locais agiram para que ao longo dos anos nelas se multiplicassem os cafés, bistrôs, pubs, bares e restaurantes. Isso aconteceu, por exemplo, em Londres, Paris, Nova York, Barcelona, Toronto, Amsterdam, Tóquio, Melbourne, Copenhague. Sem qualquer exceção, os seguintes objetivos foram alcançados: tornar as cidades mais acolhedoras, cosmopolitas, inclusivas, empreendedoras, vibrantes, dinâmicas, convidativas ao turismo.

Londrina está na contramão do mundo. Aproveitando do pretexto da revisão do Plano Diretor, veio um projeto de lei da prefeitura de restringir bares e restaurantes em vários pontos da cidade. E, no caso da Rua Paranaguá, sua determinação é a de fechar os que tenham alvará há menos de dois anos – e não permitir a abertura de mais nenhum. É uma decisão que está na vanguarda do atraso, em consonância com o atual cenário geral de nossa infelizmente combalida “Pequena Londres”.

Nessa retrógada lambança, a prefeitura confunde alhos com bugalhos. Classificou os cafés, as lanchonetes, os pubs, bistrôs, bares e restaurantes como estabelecimentos do setor de “entretenimento”. Trata-se de uma genérica denominação. Entretenimento tem a ver com boates, danceterias, cinemas, teatros, cassinos, parque de diversões. Bares nada têm a ver com as boates, que costumam ser ambientes para celebrações esfuziantes e eletrizantes. Porém, mesmo assim, os estabelecimentos voltados ao “entretenimento”, embora não se enquadrem no figurino do setor de bares e restaurantes, devem ter o direito de funcionar, desde que se restrinjam aos limites dos decibéis estabelecidos na lei municipal.

Assim funcionam as cidades que estão no topo do mais charmoso turismo global. Aliás, o estímulo à disseminação de cafés, bistrôs, pubs, cantinas, confeitarias, bares e restaurantes de portas abertas às largas calçadas que margeiam as ruas das cidades é a medida prioritária dos governos com vistas à urbanidade da gentil coesão social e ao incremento do turismo nos seus respectivos centros urbanos.

Cafés, bares e restaurantes de portas abertas às calçadas foram umas das mais acentuadas prioridades ao longo da gestão Jaime Lerner nos seus três mandatos na prefeitura de Curitiba. Em várias ocasiões ele repetia à imprensa: “Bares e restaurantes são fundamentais para a qualidade de vida de uma cidade”. Quando Lerner assumiu o seu primeiro mandato, em 1971, Curitiba não era sequer visitada pelos turistas brasileiros.

Em um documentário histórico sobre o grande salto urbanístico e turístico da cidade a partir dos anos 1970, registra-se a seguinte fala de Paulo Pimentel, que governou o Paraná entre 1966 e 1971: “Antes de Jaime Lerner, Curitiba era uma cidade simpática, mas desconhecida, inexpressiva. Duas cidades paranaenses tinham destaque: Londrina e Foz do Iguaçu. O Paraná sofria nessa época um processo divisório. Havia uma tendência de querer se dividir o Paraná em três estados. E Curitiba ficava bem lá embaixo, mais ou menos desapercebida”.

Eis, porém, que, como consequência de uma tragédia climática, ocorrida em 1975, Londrina despencou no turismo a negócios e a lazer, quando deixou de ser a “Capital Mundial do Café”. Em julho daquele ano ocorreu a fatídica geada negra, que devastou por completo toda a cafeicultura paranaense. Mas Foz do Iguaçu manteve-se viva no turismo, graças às cataratas e ao início da construção, a partir de janeiro de 1975, da Usina Hidrelétrica de Itaipu, inaugurada em 5 de maio de 1984.

Embora tivesse perdido o grande brilho que lhe dava o fato de ser a “Capital Mundial do Café”, a cidade e o município de Londrina ainda continuaram ativos graças à diversificação dos negócios de comércio e serviços, ao crescimento da UEL (Universidade Estadual de Londrina), e à intensificação das atividades do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (Iapar), fundado na “Pequena Londres” em 1972, três anos antes da geada negra.

Eis que, sem mais nem menos, oriunda das vanguardistas forças do atraso, há agora a grave ameaça de um outro tipo de geada pairando sobre Londrina. É a que dizimaria cafeterias, bares, restaurantes e, enfim, todos os demais estabelecimentos que tornam as ruas da cidade socialmente acolhedoras, dinâmicas, inclusivas e convidativas aos moradores e turistas. Essa súbita e ameaçadora massa de congelante e mortífero ar frio origina-se no gabinete do prefeito, no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina (Ippul) e, também, em parcela da Câmara Municipal. Tem como alvo principal os bares e restaurantes da Rua Paranaguá.

A vanguarda do atraso alega que os bares e restaurantes são barulhentos. Ora, se há barulho é o que vem de fora dos estabelecimentos. Em 2017, o então prefeito de Curitiba, Eduardo Pimentel (neto do ex-governador do Paraná, Paulo Pimentel) resolveu algo parecido, que ocorria nas áreas externas de bares, restaurantes e danceterias espalhados pela cidade. Oficialmente, criou-se então a muito bem-sucedida operação, denominada de “Balada Protegida”, em parceria entre a Polícia Militar e as secretarias municipais de Defesa Social, de Urbanismo e de Meio Ambiente. Acabaram-se os ruídos.

No cerne dessa operação “Balada Protegida” estava o princípio de que todos temos direito ao convívio entre amigos(as) e às interações sociais em um bar ou restaurante, assim como os moradores do entorno têm o direito ao descanso. Tal lucidez parece não ter chegado às mentes chapas-brancas. Os dos gabinetes da prefeitura (em cumplicidade com outros elementos da Câmara Municipal) querem, na marra, fechar para todo o sempre as portas dos bares restaurantes. É o oposto do florescimento de bares e restaurantes que ano após ano atraem turistas e mais turistas a Paris, Nova York, Barcelona, Toronto, Amsterdam, Tóquio, Melbourne ou Copenhague.

Pois é bem desse jeito: Londrina até agora vem se colocando na contramão do mundo. Tal desgovernança não pode vigorar.

Henrique César Tamiozzo e Paulo Solmucci, respectivamente presidentes da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) de Londrina e nacional.

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