Uma nova filosofia para o direito, capaz de chegar onde muitos falharam, resolver conflitos com raízes profundas e até inconscientes, encurtar o tempo dos processos e o desgaste das partes. Um direito mais humanizado, a serviço do bem estar de clientes e prestadores de serviço, na construção – quem sabe – de um estado mais harmônico e menos complicado. Parece um sonho? Para o direito sistêmico, isso já é possível e graças a uma ferramenta que parece ter saído de um almanaque de autoajuda: a constelação familiar. A prática, no entanto, é cercada de polêmica.

Convidado pela Comissão de Mediação e Arbitragem e por aquela de Direito Sistêmico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-Londrina), o juiz de direito Sami Storch, pioneiro na aplicação da Constelação Familiar no Brasil, esteve recentemente na cidade para um workshop de dois dias. Estudioso do assunto há mais de 20 anos, autor de livros sobre o tema traduzido em diversos países e talvez uma das maiores autoridades na aplicação das técnicas de constelação familiar na resolução de conflitos no Direito, Storch afirma que a aplicação das técnicas encontram espaço onde "os métodos tradicionais e solidificados não conseguem mais resultados" e corroboram uma ideia comum de que o profissional do direito é aquele que vem para provocar ainda mais litígios, arrancar dinheiro do cliente e arrastar processos por anos a fio, sem que a coisa possa ter alguma possibilidade de ser resolvida sem sofrimento.

“O direito é uma ciência de relacionamentos, que se dedica a regulamentar a convivência entre as pessoas, para que tenham harmonia. Serve para resolver conflitos, encontrando formas de as pessoas se relacionarem na sociedade dentro de uma organização que evite choques, danos e que permitam uma vida melhor. Isso é o direito”, afirma. “Constelação familiar não é um trabalho místico. É uma ciência de relacionamentos e também estuda por que as pessoas se envolvem em situações difíceis de relacionamento, repetindo padrões familiares, agindo de forma inconsciente, em situações de violência tanto como vítima como perpetrador”, diz.

Método, terapia, pseudociência, abordagem terapêutica, uma filosofia... A Constelação Familiar tem um pai, o psicoterapeuta alemão Bert Hellinger (1925-2019) e foge das formas convencionais de psicoterapias cognitivas, comportamentais ou psicodinâmicas, reunindo em sua base diversas teorias científicas e comportamentais. Desde 2018, é uma prática reconhecida pelo Ministério da Saúde no SUS (Sistema Único de Saúde), como parte da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares e também vem sendo utilizada como apoio para conciliação de processos judiciais, principalmente nas Varas de Família, mas com um potencial para ser aplicada em outras Varas, como trabalhista e penal.

Tem esse nome que sugere algo muito abstrato, mas poderia ter qualquer outro, culpa da tradução do alemão para o inglês e do inglês para o português. “Hellinger descobriu que existem ordens naturais que regem os relacionamentos, e que as pessoas estão sujeitas a isso. Principalmente quando não as conhecem. Famílias que já sofreram por conta de crimes tendem a ter novos crimes. Pessoas que sofreram violência tendem a sofrer novamente ou a terem os filhos envolvidos em situações como vítimas. Pesquisas com pessoas que foram acusadas de crimes, por exemplo, mostram que grande parte dos autores foram vítimas de crimes também. Pessoas que praticam abusos sexuais foram vítimas de abuso na infância. Pais que abandonam seus filhos, grandes foram abandonados. Observamos que os padrões e os sofrimentos se repetem, de geração em geração. As ordens sistêmicas, as leis que regem esses relacionamentos vêm à tona com a Constelação Familiar. Essas leis aplicadas ao direito é um instrumento poderoso para resolver os conflitos entre as pessoas e foi isso que comecei a fazer como Juiz”, conta.

O constelação Familiar também é alvo de críticas por aplicar suas leis a estruturas familiares tradicionais, não considerando famílias atípicas e relacionamentos homafetivos, por exemplo, além de colocar a mulher numa posição de inferioridade, subordinação e vulnerabilidade. Tudo isso é completamente negado por Storch que afirma que não existe julgamento em relação a um modelo, ao certo ou errado.

“Isso é uma falácia das críticas contra a constelação. As pessoas não sabem o que é e, talvez, estão se baseando no que ouviram dizer. Trata-se de uma técnica que busca facilitar o olhar para a realidade. Não cabe à constelação propor qualquer modelo. A família é como ela é e as pessoas vivem onde vivem. O que as técnicas podem fazer é mostrar alguém que era importante e não considerado na dinâmica. Se alguém está feliz do jeito que está, provavelmente não vai procurar a constelação e um constelador, que saiba bem o que está fazendo, jamais vai querer convencê-la a fazer. Eu jamais proporia a constelação para alguém que diz que não tem problemas”, diz.

Storch ainda afirma que não atende como constelador e aplica as técnicas apenas no seu trabalho como juiz e professor dos cursos e workshops sobre direito sistêmico, como aquele evento para o qual foi convidado pela OAB Londrina.

A constelação familiar, continua o jurista, é a coluna vertebral do direito sistêmico que vai muito além das técnicas desenvolvidas por Hellinger, trazendo conhecimentos quando aplicada até nas sutilezas de um olhar, da postura durante de um conflito, de uma palavra dita ou até mesmo do silêncio, tudo aplicado até sem a percepção dos diretos interessados ou beneficiados, com o objetivo claro de facilitar o desenrolar de determinada situação. “Não é manipulação. É o contrário disso, é para liberar e para que as próprias decisões sejam tomadas com mais responsabilidade, uma tomada de poder para sair de uma situação de conflito através de atos de consciência. As partes assumindo o protagonismo. A autonomia gerando o fortalecimento”, pondera Storch.

CRP-PR diz que método pode trazer mais sofrimento às vítimas

Psicólogo e presidente da Comissão de Fiscalização e Organização do CRP-PR (Conselho Regional de Psicologia do Paraná), Paulo Vitor Palma Navasconi detalha que os conselhos de psicologia, tanto o federal quanto os regionais, consideram como inadequada a utilização da constelação familiar no âmbito da justiça, principalmente em casos que envolvem violência, como contra a mulher, por exemplo.

Ele aponta que, nesses casos, pode existir a exposição da vítima a uma situação de dor e de violência, fazendo com que ela reviva todo o sofrimento novamente. “Não há uma situação de igualdade entre vítima e agressor, como estipula, como determina e como demarca a constelação familiar”, explica, complementando que a vítima pode não estar na condição de estabelecer um diálogo ou acordo junto ao seu agressor.

Segundo ele, a prática pode até mesmo invisibilizar a violência doméstica e silenciar as mulheres. O mesmo vale para outros tipos de violência, como a contra crianças ou idosos. Navasconi explica que, nos últimos anos, a constelação familiar vem sendo cada vez mais divulgada, principalmente nas redes sociais, como um método terapêutico, mas que, por mais que se apresente como uma teoria, ela não pertence ao campo da psicologia. “Ela não diz respeito a uma vertente, a uma abordagem ou a uma linha cientificamente reconhecida pela psicologia”, explica.

A utilização do método, segundo ele, tem o potencial para fazer emergir conflitos de ordem emocional, psicológica, individual, familiar ou coletiva e que podem desencadear inúmeros agravantes. “Ao produzir mais sofrimento, ela vai exigir o acompanhamento profissional psicológico ou psiquiátrico que não é oferecido durante as sessões de constelação familiar”, aponta.

Navasconi pontua que existem outras técnicas dentro do campo da psicologia que podem ser utilizadas em casos sensíveis, como de violência. A psicanálise e a análise do comportamento, por exemplo, têm instrumentos para trabalhar a temática da violência e de relacionamentos interpessoais, assim como apresentam um rigor científico que não é visto em métodos terapêuticos como a constelação familiar.