Embora a terceirização de gestão escolar de uma série de unidades de ensino da rede estadual deva ser implementada a partir do próximo ano letivo, dentro dos estabelecimentos de ensino sobram dúvidas sobre os critérios utilizados para a escolha das 204 escolas públicas incluídas na lista de privatização, sobre como esse processo se dará, na prática, e, principalmente, sobre as suas consequências na área pedagógica.

O governo estadual promete ouvir a comunidade escolar. A consulta pública já tem data definida para começar, será a partir de 20 de outubro. Mas o receio é que esse mecanismo de participação social criado para garantir maior transparência às decisões tomadas pela administração pública sirva apenas para cumprir uma formalidade. A proposta ocorre no âmbito do projeto Parceiro da Escola.

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Na área de abrangência do NRE (Núcleo Regional de Educação) em Londrina, nove escolas estão na lista da terceirização. Cinco em Londrina, uma em Cambé, uma em Ibiporã, uma em Porecatu e uma em Prado Ferreira. Em Londrina, foram selecionados o Colégio Estadual Professora Cleia Godoy Fabrini da Silva, no Jardim Tarobá 1 (zona sul); Colégio Estadual Professora Kazuco Ohara, no Jardim Bandeirantes (zona oeste); Colégio Estadual Professora Ubedulha Correia de Oliveira, no Conjunto Luiz de Sá (zona norte); Colégio Estadual Nossa Senhora de Lourdes, no Jardim Brasília (zona leste); e Colégio Estadual Doutor Willie Davids, na Vila Casoni (região central).

OUTROS MUNICÍPIOS

Em Cambé, está na lista o Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes; em Ibiporã, o Colégio Estadual do Jardim San Rafael; em Porecatu, o Colégio Estadual Malvino de Oliveira e, em Prado Ferreira, o Colégio Estadual Júlia Wanderley.

A reportagem da FOLHA conversou com professores, pais de alunos e funcionários de algumas dessas nove instituições. Enquanto professores e funcionários questionam os critérios e lançam dúvidas sobre a necessidade e a eficácia do projeto, pais de alunos se dividem nas opiniões. A maioria aprova a medida, baseada em informações divulgadas, segundo eles, pela Seed (Secretaria de Estado da Educação).

INSATISFAÇÃO COM A QUALIDADE

“Não conheço o projeto bem certinho. A gente conversa com um, com outro, as coisas não são bem explicadinhas. Do pouco que eu conversei com outros professores que apoiam, do pouco que eu entendi, não sei se estou certa, eu acho que sou a favor”, disse a manicure Maria Helena Cabecione, mãe de um estudante de uma das escolas que farão parte do projeto.

Seu apoio à proposta de terceirização vem da insatisfação com a qualidade do ensino ofertada aos estudantes da rede estadual. Cabecione reclama que muito pouco é exigido dos alunos. “As crianças estão muito soltas na escola porque os professores têm que se dividir entre a gestão e o ensino. Não vejo mais tanta cobrança dos alunos por parte dos professores. Agora, inventaram um negócio de Se Liga! que, no final do ano, o aluno não precisa estudar nada e passa. Eu exijo muito do meu filho porque a escola é a base para ele entrar na faculdade. Mas eu queria que a escola também exigisse dele. Eu acho que com a privatização isso vai melhorar.”

“A manutenção das escolas está muito largada, ultimamente. A gente sempre ajuda a comprar rifa e outras coisas para poder melhorar e eu acho que, privatizando, pelo menos nessa área melhoraria bastante”, disse a promotora de vendas Jéssica Luana Batista Dias, mãe de uma estudante. Ela contou ter recebido no grupo dos pais, no WhatsApp, um link de acesso a uma apresentação na qual o projeto era explicado. “Todos os pais tiveram acesso para poder assistir à palestra e também soube pela televisão. Achei boa [a proposta] nesse sentido [de melhorar a manutenção das escolas]. Não sei se é bom para os professores, mas como na escola todos foram a favor, deve ser bom.”

Mas entre os pais, também há os que receberam a proposta com grande desconfiança. "A gente não sabe como vai ser, ninguém explicou direito como isso vai funcionar. Um projeto aprovado na correria. A gente viu que a APP-Sindicato é contra, recebeu muito mal o projeto. O governo vende a ideia de que serão as mil maravilhas. Mas acho estranho. Se é tão bom assim, por que aprovar sem a devida discussão com todas as partes interessadas e impedir os professores de acompanharem a votação?", questionou o pai de dois alunos matriculados em uma das escolas de Londrina e que pediu para não ser identificado por receio de que suas opiniões possam prejudicar seus filhos. "O maior medo é que essas mudanças todas façam cair ainda mais a qualidade do ensino. Ao meu ver, esse governo tem adotado medidas muito equivocadas, principalmente na educação."

CRITÉRIOS

Um professor que leciona em uma das escolas que integram a lista da privatização comentou que uma das primeiras dúvidas a respeito do Parceiro da Escola foi sobre os critérios utilizados na escolha das instituições que fariam parte do projeto, mas o gestor da instituição na qual ele atua não soube esclarecer. No NRE, disse ele, a informação foi de que teriam sido considerados os números do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e os níveis de evasão escolar, mas segundo o professor, na escola em que ele trabalha, a frequência ultrapassa os 85%. “Recebemos a notícia [da privatização] com apreensão. Só tomamos conhecimento quando o projeto de lei já estava na Assembleia Legislativa, só aí foi dada publicidade ao projeto.”

O professor avalia a proposta como “desnecessária” e entende que ela contraria a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional. Os dispositivos legais, destacou ele, estabelecem que a gestão do recurso é pública, a educação é um direito do cidadão e um dever do Estado. “Não concordamos com essa retirada de dinheiro público para uma entidade privada, sendo que nós, servidores públicos da educação, temos o know-how, a capacidade de fazer. Não precisamos de empresa privada para trocar uma lâmpada.”

Assim como outros colegas, o entendimento é que a medida pode abrir uma brecha para que a terceirização avance para outras áreas da educação. “É um projeto neoliberal de ampliar a transferência para a iniciativa privada e o impacto, no primeiro momento, é no pedagógico. É a desvalorização do educar. O projeto estabelece que a empresa tem que dar resultado para não perder o contrato.”

“É muito estranha essa entrada de uma empresa pública, que quer ter lucro, no ambiente escolar. Se o ensino é público, é público. A obrigação é do governo. Se ele não está dando conta de administrar, tem alguma coisa bem errada”, analisou um funcionário de uma das escolas.

Josemar Lucas é professor do Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes, em Cambé, e disse ter recebido a proposta com “espanto e indignação”. “Sou contrário, até porque isso não é uma prioridade para as escolas. O recurso do Estado, parte vem do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e outra parte está garantida pela Constituição Federal ou pela Constituição Estadual. O recurso está garantido e a escola vem fazendo a administração desses recursos.”

Lucas disse ter sido pego de surpresa da mesma forma como aconteceu há três anos, quando o governo do Estado decidiu transformar escolas de ensino regular em ensino integral. “Foram duas semanas entre o anúncio e a mudança. Fazem uma pseudo consulta, vêm e mudam tudo”, queixou-se. “Agora, vem a proposta de terceirizar. Da noite para o dia, sem comunicação prévia às direções e à comunidade escolar. A gente fica sabendo primeiro pela mídia e depois pelo Núcleo. Os pais ficam sabendo por nós. E o governo coloca de uma forma em que tudo é maravilhoso e coloca a comunidade contra o sindicato. Veicula em grupo uma imagem deturpada da nossa tentativa de participar da votação.”

A reportagem tentou ouvir os diretores das escolas selecionadas pela Seed dentro do Projeto Parceiro da Escola, mas foi informada de que, para isso, deveria obter autorização prévia da secretaria estadual. O órgão do governo não respondeu à solicitação.