Após mais de quatro décadas expandindo-se nos circuitos sociológicos, a ideia de meme encontrou morada perfeita na internet e suas redes sociais. Entretanto, é preciso atentar-se a diversos aspectos jurídicos que envolvem a sua criação e disseminação, de modo que não sejam violados direitos de terceiros, considerando ainda que muitas vezes não se sabe a autoria e origem dos conteúdos.

Os memes são objeto da atividade intelectual de seus criadores, como expressão de seu direito de personalidade. A Lei de Direitos Autorais prevê que "são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro", trazendo ainda um amplo rol exemplificativo, no qual podem se enquadrar, em tese, os memes. Apesar disso, tendo característica e objetivo genuínos de disseminação de um conteúdo humorístico, propenso ainda a sofrer inúmeras intervenções que modificam várias vezes o sentido original, além da utilização de obras de terceiros, tem-se como incomum o autor de um meme reivindicar os direitos de sua criação - eles querem mesmo é que o conteúdo se espalhe.

O foco da discussão autoral nestes casos está na verdade na proteção das obras, imagens e frases de terceiros que ilustram um meme. Esta utilização sim, caso realizada sem a devida autorização e em desacordo com a legislação, pode ser objeto de reivindicação de direitos e gerar um prejuízo de ordem jurídica, já que a respectiva reprodução é alvo de proteção específica na legislação da maioria dos países. Uma vez utilizando obras, imagens e frases de terceiros, o meme caracteriza-se como uma obra derivada, ou seja, uma nova criação intelectual que transforma a originária, restando identificar se esta nova obra viola ou não os direitos dos titulares das obras utilizadas.

A regra geral na Lei de Direitos Autorais é que se tenha autorização destes titulares, entretanto há também previsão das chamadas limitações aos direitos autorais (hipóteses nas quais não se considera ofensa aos direitos de autor), estando entre elas: 'a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores'. Se considerarmos essa previsão do ponto de vista da criação de memes, a depender do caso pode-se concluir que não há violação de direitos de terceiro.

Outra importante disposição da mesma lei reside nas obras situadas permanentemente em logradouros públicos, podendo ser representadas livremente - sem autorização específica do autor. O meme que faz referência a alguma obra desta natureza, portanto, também não fere direitos autorais de terceiros. Fator de extrema relevância para essa discussão é a utilização de memes para fins publicitários/uso comercial. A partir do momento que a utilização seja realizada por uma empresa ou marca para promover um produto ou serviço, de qualquer natureza, observa-se um desvirtuamento da essência original daquele meme, que passa a ser um anúncio (e não mais um elemento de memória coletiva), e, como tal, prescinde de autorização do detentor dos direitos da imagem utilizada.

O que será levado em consideração, para qualquer caso levado ao judiciário, é o grau de descrédito que determinada utilização pode gerar para a obra ou imagem utilizada. Ou seja, no caso dos memes, se ofendem ou não a obra ou imagem vinculada. Isso porque o direito de imagem é protegido pela Constituição Federal como direito fundamental, podendo o seu titular buscar as medidas cabíveis para fazer cessar a sua lesão ou ameaça de lesão, caso a sua utilização atinja a honra, boa fama, respeitabilidade, ou, ainda, se destinada para fins comerciais ou publicitários, sem prejuízo de obter ainda o ressarcimento/indenização pelos danos causados.

Todavia, tal questão pode ser relativizada quando se tratar de pessoa pública, é o que têm decidido o judiciário, já que possui a missão de proteger os direitos de personalidade mas também a liberdade de expressão em benefício da coletividade, sendo necessário equilibrar os possíveis reflexos negativos eventualmente causados em detrimento do interesse comum, analisando cada caso concreto. Em linhas gerais, quando não há autorização expressa de uma pessoa pública para utilização de sua imagem, será preciso colocar na balança se aquilo faz parte da exposição a que ela se submete ou se realmente lhe causou um constrangimento e ofensa à sua imagem. É importante lembrar que não só imagens de pessoas, públicas ou não, devem ser reproduzidas com o máximo de cautela, mas também todos os direitos de propriedade intelectual que incidem sobre o conteúdo que se pretenda utilizar.

O que vemos acontecer hoje em dia é que, dependendo do conteúdo, as próprias pessoas públicas curtem e compartilham seus memes, mesmo sem ter dado autorização prévia. São os casos de utilização do meme somente como instrumento de humor e que não fere a honra tampouco possui caráter publicitário, somente o intuito de auto propagação. Em 2015, o cantor Chico Buarque processou o Teresina Shopping por uso indevido de imagem, pela utilização de uma montagem com a capa de seu primeiro álbum, onde o cantor aparece duplicado com feições séria e sorridente - na primeira lia-se: Teresina 40º, e, na segunda, Teresina Shopping 25º, dando a entender que dentro do shopping o ambiente era mais fresco. Tal imagem é utilizada frequentemente nas redes sociais como meme, inclusive estando disponível em sites específicos de criação de memes. Porém, neste caso em particular, o shopping atribuiu caráter comercial para o famoso meme sem pedir a autorização do cantor, o que motivou, com razão, a solicitação judicial para interrupção do uso bem como ressarcimento pela utilização de sua imagem.

Os memes são protegidos pela lei de direitos autorais. Não só os memes, mas principalmente os elementos contidos nele, que é o que mais gera discussão (obras, frases e imagens). Qualquer reprodução de conteúdo protegido como propriedade intelectual deve ser realizada com prudência e cautela, pois pode acarretar em prejuízos de ordem jurídica e patrimonial. Desde que não gere descrédito aos elementos utilizados (que não ofenda a obra ou imagem utilizada) e que se destinem apenas à finalidade de auto-propagação, sem cunho comercial, pode-se concluir, a depender do caso concreto e estando em conformidade com as limitações contidas em lei, que alguns memes não causam violação de direitos autorais.

Marcella Souza Carvalho, advogada e sócia do Departamento de Assuntos Culturais e Terceiro Setor da Andersen Ballão Advocacia