O ano era 1971 quando Chico Buarque lançou a música “Construção”. Em meio às interpretações diversas que a canção ganhou – algumas até negadas pelo próprio compositor mas, mesmo assim, difundidas até hoje – a primeira frase da letra pode ser usada para ajudar a resumir uma tendência de relacionamentos que se aprofundou com a pandemia: a de “amar dessa vez como se fosse a última”. O “culpado” é o “apocalypsing”, termo lançado pelo site americano de relacionamentos “Plenty of Fish” no final do ano passado e que significa buscar e considerar o próximo relacionamento como se fosse o último.

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| Foto: Folha Arte/iStock

No dicionário, o apocalipse é definido como “uma série de episódios profetizados que culminarão no fim do mundo ou o fim da vida terrestre como é atualmente conhecida”. A pandemia do novo coronavírus colocou pressão psicológica extra e um clima de apocalipse nas mentes humanas: será que vamos escapar vivos de mais esse desafio? Ansiosos, isolados e carentes, milhares de solteiros projetaram nas conversas online de aplicativos de paqueras a idealização do grande amor da vida. Evocando outro grande cantor e compositor, Cazuza, “o nosso amor a gente inventa”.

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“A pandemia deixou muita gente que já era carente ainda mais carente, trouxe um impacto emocional muito sério. E, para alguns, que já idealizavam encontrar o grande amor perfeito, sem defeitos, que tinham uma busca desenfreada e pouco racional, o isolamento foi ainda pior. Agravou crises de ansiedade e trouxe uma sensação de ‘tudo vai se acabar e preciso estar com alguém’, que, com a facilidade de contato que os aplicativos de paquera trazem, acabou sendo uma mistura explosiva”, avalia a psicóloga Marina Alves.

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Dados do “Par Perfeito”, que pertence ao Match Group LatAm, mostram um crescimento de 70% na plataforma de buscas de parceiros durante a pandemia, chegando a 30 milhões de usuários. Por mês, uma média de 500 mil novas pessoas se cadastraram no site ou aplicativo. Pesquisa realizada na primeira semana de junho de 2020 ouviu 1.200 pessoas e descobriu que, para 58%, o período de isolamento despertou mais interesse em encontrar um parceiro. As chamadas por vídeo, que explodiram no ano passado, também estão fortes no mundo da paquera: 71% dos entrevistados adotaram o método para conhecer pretendentes e consideram utilizar o vídeo antes de marcar um encontro presencial. Outros 70% responderam que gostariam de passar o Dia dos Namorados acompanhados, 59% dos solteiros disseram estar procurando por algo sério, 20% querem uma companhia sem rótulo, 9% desejam se casar, 8% buscam por sexo e 3% estão no aplicativo apenas para flertar.

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Solteira havia cinco anos, a analista de marketing Maria Lúcia Matos admite que, após os primeiros meses de pandemia, experimentou exatamente a sensação de “fim do mundo”. “Via os posts nas redes sociais de amigos casais e pensava que todo esse caos poderia ser menos pior se não estivesse solteira, se estivesse aproveitando o isolamento para curtir a dois”, revela. Foi na esteira desse sentimento que ela começou o que define como um “namorico” com um rapaz de outra cidade. “Tínhamos alguns amigos em comum, trocamos likes no Instagram e começamos a conversar. Acho que a carência foi um combustível”, explica. O mini-romance durou dois meses, com direito a muitas mensagens, chamadas de vídeo e até presentes e flores recebidas. “Acabou esfriando, a distância jogou contra, mas acredito que o principal é que a ficha foi caindo e a razão falando mais alto”, analisa.

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Uma pesquisa do aplicativo “Happn” mostrou que, em agosto do ano passado, 60% dos usuários passaram mais de cinco horas por dia conectados e 78,4% utilizaram mais de um aplicativo simultaneamente. Além disso, 81,4% dos usuários ficam muito mais tempo dando likes do que conversando e 94,3% afirmam que está cada vez mais difícil ter papos significativos. “Esse conceito de ‘papo significativo’ é extremamente relativo e está bastante ligado à busca que muitos têm de idealizar o amor perfeito, a conversa perfeita, de uma busca para preencher e não para complementar. O resultado, quase sempre, é de frustração, porque logo na primeira desconexão entre o idealizado e a realidade, tudo desanda”, explica a psicóloga.

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Mas será que não há futuro nas relações nascidas no mundo virtual durante a pandemia? O arquiteto Luis Renato Moraes e a educadora física Angélica Souza mostram que há, sim. Depois de um match no aplicativo “Tinder” e três semanas de conversas, eles arriscaram um furo na quarentena, em maio do ano passado, para um jantar. A afinidade virtual ficou maior no mundo real e, em julho, começaram a namorar. “Acho que o clima de pandemia contribuiu, mas não sei se foi sensação de fim do mundo. Teve carência, teve vontade de filme abraçado, mas sem química e identificação não teria rolado”, palpita Angélica. Moraes concorda. “Não poder sair com os amigos, ir para festas, fez com que o foco na conversa fosse maior. Isso contribuiu mas só fez sentido porque os interesses eram iguais, a vibe era a mesma, ou acredito que teria ficado só em uma troca de poucas mensagens no Tinder”, acredita.

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Sobre “amar como se fosse a última”, os personagens têm visões parecidas, porém diferentes dos adeptos do “apocalypsing”. Para a analista Maria Lúcia, significa aproveitar ao máximo. “A gente nunca sabe o dia seguinte, então acredito que é preciso intensidade, curtir os momentos”, resume. “De uma certa forma encaramos assim, mas não com um desespero, uma necessidade louca de estar juntos apenas pelo status, mas de aproveitar os momentos juntos”, analisa o arquiteto Luis Renato.

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A psicóloga Marina Alves prega cautela em qualquer relacionamento. “Tenha começado no virtual ou no real, antes ou durante a pandemia, a regra é a mesma: precisa te fazer bem, ser leve, te completar, não ser abusivo e não vir como solução para um ou mais problemas. Algumas pessoas são mais rápidas, outras demoram mais, mas o segredo é encontrar a dose certa de parceria, fidelidade, interesses em comum, paixão, sexo, tudo a seu tempo. Tem as dificuldades também, as horas difíceis, e saber como superá-las juntos faz parte. E não esquecer que cada um tem uma dinâmica diferente. Não dá para, desesperadamente, querer um relacionamento porque todos os amigos estão casados ou namorando, por exemplo. Cada um tem seu momento e não sofrer por isso, saber estar conectado com o seu momento de vida, faz dessa busca mais leve”, sugere. Dicas importantes para que, tal qual na música de Chico Buarque, o amor não morra “na contramão atrapalhando o sábado”.

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