O dia: segunda-feira, 17 de março. O ano: 2014. Para a maioria dos jornalistas que cobria o noticiário policial de Curitiba, parecia ser uma operação da Polícia Federal para prender doleiros envolvidos com lavagem de dinheiro.

Para nós, da sucursal da Folha de Londrina em Curitiba, a operação tinha um "molho" a mais. Um dos detidos era o doleiro Alberto Youssef, que mantinha estreitos laços com Londrina e era velho conhecido do noticiário político/policial por conta do seu envolvimento no Escândalo do Banestado, lá pelos idos 1990.

Os 10 anos que se passaram desde aquele 17 de março de 2014 mostraram que a Lava Jato foi muito mais que uma operação para prender doleiros, como tem se falado.

Mas vamos nos ater aos doleiros, especificamente à primeira leva de presos da Lava Jato, que revelou ao Brasil uma figura "sui generis", a doleira Nelma Kodama, icônica personagem do maior escândalo de corrupção que estremeceu o Brasil e que acaba de ganhar um documentário na Netflix. "Doleira: A História de Nelma Kodama".

Algumas pessoas devem estar se perguntando se Kodama merecia um documentário. Mas para quem era repórter em Curitiba, naquele fatídico ano de 2014, a questão é outra: por que demorou tanto para se lançar o filme?

É natural que no marco dos 10 anos da Lava Jato e o crescente interesse do público pelo gênero "true crime" resgatem as histórias da primeira mulher presa pela Polícia Federal na Lava Jato. Ela foi detida no Aeroporto de Guarulhos (SP), na véspera da operação explodir, quando tentava fugir do Brasil para a Itália com 200 mil euros escondidos na calcinha.

Nelma Kodama: uma história regada a muito dinheiro, sexo e sedução
Nelma Kodama: uma história regada a muito dinheiro, sexo e sedução | Foto: Netflix/ Divulgação

Kodama gostava de glamourizar sua vida pessoal e a atividade ilegal que exercia, tanto que para se comunicar com seus comparsas usava codinomes de duas divas do cinema, Greta Garbo ("A Dama das Camélias") e Anita Ekberg ("A Doce Vida"). Ela também gostava de ser chamada de "A Dama do Mercado".

Os depoimentos que Kodama ia dando à justiça e sua ficha corrida revelavam um enredo regado a muito dinheiro, sexo, sedução, luxo, joias, obras de arte e um até um Porsche Cayman. Lembrando que a primeira leva de quadros de pintores famosos apreendidos pela Lava Jato e levados para o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, tinha 16 peças da doleira.

Para a surpresa dos jornalistas que acompanhavam o desembarque dos itens na garagem do museu, haviam Di Cavalcanti, Cícero Dias e até um Renoir que se revelou depois uma cópia falsificada da tela "Duas Irmãs", de 1881, cujo original estava em um museu dos Estados Unidos.

A falsificação de um Renoir deu o tom pitoresco da cobertura, afinal, a fraude parecia encaixar como uma luva no enredo da mulher que atuou como doleira na 25 de Março e, em uma das sessões da CPI da Petrobras, em Curitiba, quando questionada se ela tinha um relacionamento amoroso com Alberto Youssef, Kodama cantou "Amada Amante", de Roberto Carlos, ganhando inclusive um coro de entusiasmados parlamentares. É puro suco de Brasil. (Adriana De Cunto/ Chefe de Redação)