Brasília - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, pediu aos comandantes das Forças Armadas que criem um grupo para produzir relatório detalhado sobre as aposentadorias dos militares.

A decisão foi repassada aos chefes das Forças na quarta-feira (19), segundo duas pessoas com conhecimento do assunto. A comissão será informal e terá a presença de oficiais da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

Múcio pediu os detalhes dos benefícios dos militares para se posicionar nos debates travados no governo Lula (PT) sobre possíveis cortes na previdência da caserna.

Diante das repetidas críticas aos gastos das Forças Armadas, há uma avaliação na Defesa de que são inevitáveis alterações no Sistema de Proteção Social dos militares - o conjunto de direitos que eles possuem para a garantia de remuneração, pensão, saúde e assistência social.

Essa percepção foi consolidada após uma reunião de Múcio com o presidente Lula, na terça-feira (18). O tema foi levantado pelo ministro. O petista indicou que eventuais mudanças na previdência dos militares serão feitas dentro de um conjunto de outros cortes de gastos, que serão apresentados em propostas ao Congresso.

Apesar de não haver riscos para os militares no curto prazo, a formação do grupo para estudar o assunto serve para as Forças Armadas se anteciparem às discussões. Caso algum corte seja realizado, a Defesa quer ter em mãos uma proposta dos militares que impacte menos a caserna.

NÚMEROS

Um levantamento da Folha publicado em janeiro mostrou que as Forças Armadas gastaram 85% de seus orçamentos com o pagamento de pessoal. Os gastos com militares inativos (R$ 31,2 bilhões) e pensionistas (R$ 25,7 bilhões) ficaram próximos do montante pago com os militares da ativa (R$ 32,4 bilhões).

A despesa com a reserva é alta porque os militares aposentam mais cedo que os civis e mantêm, de forma vitalícia, o valor integral de seu salário.

Generais, por exemplo, recebem cerca de R$ 37 mil na reserva -e, após a morte, deixam pensão para familiares no mesmo valor. O civil aposentado no INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) se submete ao teto de R$ 7.786,02.

Militares ainda têm o direito de receber ajuda de custo equivalente a oito salários quando vão para a reserva. No último posto da carreira, o repasse chega a R$ 300 mil.

O Exército já produziu um documento interno para defender os benefícios. A Força diz que as regras mais favoráveis na reserva foram criadas para corrigir desigualdades quando os militares estão na ativa.

Os integrantes das Forças Armadas não possuem uma série de direitos na carreira, como o recebimento de horas extras, adicional noturno e sindicalização. Eles ainda precisam ter dedicação exclusiva e disponibilidade para realizar mudanças de cidade constantes.

"A integralidade e a paridade dos vencimentos dos militares, portanto, são ações afirmativas por parte do Estado brasileiro, que visam a garantir a igualdade material entre civis e militares [...]. Isso pode ser comparado a outras ações afirmativas que visam corrigir desigualdades históricas e estruturais", disse o Exército no documento.

Ação afirmativa é uma política pública de combate e reparação de desigualdades sociais, como as cotas para negros e indígenas em universidades e em concursos públicos.

As peculiaridades na carreira, segundo o documento, fazem com que o tratamento especial na reserva seja um "reconhecimento justo e merecido pelo serviço prestado pelos militares".

"O regime jurídico distinto que rege os militares das Forças Armadas não implica em privilégios imerecidos; pelo contrário, visa apenas mitigar as desvantagens impostas a esses profissionais pelas particularidades da profissão militar", afirmou.

AÇÃO ORQUESTRADA

Três oficiais-generais ouvidos pela Folha afirmaram, sob reserva, que viram na ofensiva do governo federal e do TCU contra a previdência dos militares uma ação orquestrada.

O primeiro a sugerir as mudanças foi o ministro da Casa Civil, Rui Costa. Ele disse a Múcio que os militares teriam mais dinheiro para enfrentar o sucateamento se gastasse menos com pessoal.

A reclamação de Rui Costa chegou ao comandante do Exército, general Tomás Paiva. Ele alertou o Alto Comando da Força sobre a possibilidade de o assunto crescer.

O segundo a falar do tema foi o presidente do TCU, Bruno Dantas. Em entrevista à Folha, o ministro apresentou dados sobre os gastos previdenciários em 2023 e sugeriu que novos cortes começassem pelos militares.

De acordo com dados levantados pelo tribunal, as regras especiais para os militares após o fim da carreira causaram um déficit de quase R$ 50 bilhões ao governo em 2023.

O rombo causado nas contas públicas é de R$ 158,8 mil por militar inativo a cada ano; a aposentadoria de cada civil no Regime Geral da Previdência Social custa, em média, R$ 9,4 mil. Em síntese, o déficit por militar é 15 vezes maior que o de cada civil.

A repercussão da proposta do ministro Dantas acabou levando outros integrantes do governo a falar publicamente sobre o tema, como a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), como medida de médio e longo prazos para reduzir as despesas obrigatórias do governo e garantir a sobrevivência do arcabouço fiscal -a nova regra fiscal aprovada pelo Congresso no ano passado.

Em audiência no Congresso, Tebet confirmou que os cortes de benefícios dos militares estarão entre as propostas de redução de gastos públicos a serem apresentadas a Lula. "[Precisamos] ter coragem de atacar, por exemplo, a aposentadoria dos militares", disse.

O ministro Walton Rodrigues fez coro a Dantas durante o julgamento das contas do governo federal. "A manutenção de privilégios [dos militares], em relação aos demais trabalhadores, às custas da sociedade, é cada vez menos aceitável, diante da difícil situação fiscal do país e dos naturais anseios sociais pela moralidade e isonomia", afirmou.

Uma cesta de medidas de corte de gastos começou a ser discutida nesta semana pela equipe econômica com Lula. O presidente tem sido alertado por auxiliares do risco de mexer agora nesse tema sensível para as Forças Armadas.