Uma combinação de fatores que inclui clima, safra e descompasso entre demanda e oferta tem obrigado empresários do setor de alimentação e consumidores a ajustarem os seus orçamentos para fazer o dinheiro render no supermercado. Em maio de 2024, a inflação cresceu 0,46%, puxada, principalmente, pelos preços dos alimentos, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A variação parece pequena, mas tem forte impacto no bolso da população.

Os gastos com gêneros alimentícios consomem uma importante fatia do salário dos trabalhadores. O IBGE estima que cerca de 11% dos orçamentos domésticos são destinados à compra de alimentos e bebidas. Alimentação e habitação são as duas despesas que mais pesam nas contas domésticas. E como sem comer ninguém fica, o jeito é fazer alterações na dieta e, quando possível, substituições na hora de escolher o que entra no carrinho de compras.

Claudicéia Pereira dos Santos não é economista, mas faz uma análise muito precisa do que vem acontecendo nos últimos anos com a renda da população de classe mais baixa a partir de sua própria realidade. Ela observou uma alta exagerada dos alimentos no período da pandemia de Covid-19 e que passada a crise sanitária, os preços não retornaram ao nível de antes. “Em uma época, a gente teve que banir o feijão de casa. Tentávamos umedecer o arroz com outras coisas, usando mais legumes, mas até os legumes subiram.”

Santos trabalha como faxineira em um condomínio residencial e mora com uma filha adolescente. Mesmo com uma família pequena, ela calcula que os gastos com alimentação comprometem entre 40% e 50% de seu orçamento. E mesmo deixando metade de seu salário no supermercado, ainda não é possível manter uma alimentação de alta qualidade. “Carne vermelha a gente não come mais com a mesma quantidade. Ou é frango ou é porco. A carne vermelha subiu a um valor que para a classe média baixa não dá. E quanto mais baixa a classe social, menos carne se come. E a população de classe mais baixa também está consumindo menos legumes e menos frutas. Resumindo, a qualidade da alimentação geral está caindo”, analisou ela, levantando uma questão que vai além da economia e passa pela segurança alimentar.

Na casa dela, o arroz, às vezes, tem que ser substituído pelo macarrão e o consumo de carne caiu. Até a seção de hortifrúti, que há alguns anos era mais acessível, agora está com alguns itens proibitivos. Frutas, como goiaba, pera, uva e melancia, raramente são consumidos na casa de Santos. “A gente pode parar com outras despesas. Pode deixar de arrumar uma unha, de arrumar um cabelo, envelhecer as roupas e os sapatos, mas sem comer, não tem como. E os preços estão muito altos. Se for enriquecer a alimentação de um filho com uma fruta interligada entre as refeições, pesa bastante no orçamento.”

Comer fora, então, nem pensar. “A carne você já não consegue comer dentro da sua casa. Se você sair para comer um espetinho, o preço já subiu a um valor muito alto. Cerveja, refrigerante, suco natural estão muito caros. Não tem como sair de casa mais. As famílias mais humildes estão se fechando dentro de casa, sem um lazer, e comendo mal”, disse Santos.

Apenas nos dois primeiros meses de 2024, o grupo alimentação e bebidas acumulou alta de 2,34%. No mesmo período de 2023, o aumento da inflação foi de 0,76%, apontou o IBGE. No subgrupo alimentação no domicílio, o avanço foi de 2,93%. Os números explicam o exercício diário que os consumidores têm feito para contornarem a inflação e tentar esticar o dinheiro.

Quem trabalha no setor da alimentação, deixar de comprar os itens menos em conta nem sempre é uma opção. Restaurantes e comércio de comida pronta têm a clientela fiel, já habituada à variedade ofertada, o que torna mais difícil fazer grandes alterações no cardápio. Para eles, a saída é tentar negociar preços melhores com os fornecedores, reduzir a margem de lucro e, em último caso, reajustar os preços.

Foi isso o que fez a empresária do ramo de comidas congeladas Fernanda Boni, proprietária da Boni Ultracongelados. Ela manteve os preços inalterados o máximo que pode, mas depois de três anos sem reajustes significativos, especialmente nas refeições, ela atualizou todas as fichas técnicas e remarcou os produtos para corrigir a defasagem. Alguns itens subiram 50% e outros, chegaram a dobrar de valor. “Essa alta (nos preços dos alimentos) já vem há algum tempo. Não é dos últimos meses, vem se acumulando”, atestou. “Senti mais o aumento na parte dos hortifrútis. O tomate, que é uma coisa que a gente usa muito para fazer molho natural em várias receitas, a gente pagava R$ 1,99, R$ 2,99. Hoje, está R$ 5. Foi uma alta bem significativa, acaba impactando nos custos.”

O filé de frango, outro insumo muito utilizado no preparo dos alimentos comercializados pela empresa de Boni, também subiu cerca de 30%. “A gente segurou por muito tempo esperando que houvesse uma redução de preços e houve, de fato, no ano passado. Mas agora tudo subiu novamente e a gente teve que repassar os aumentos para o consumidor. A gente aumentou entre 15% e 20%.”

Apesar do receio de afastar a clientela ao apresentar a nova tabela de preços, a empresária disse que os consumidores compreenderam a realidade. “Os clientes não deixaram de comprar. Eles entenderam e muitos até comentam que fazendo as contas, eles têm economizado comprando com a gente porque quando vão ao mercado acabam comprando coisas de que não precisam ou que estragam na geladeira”, disse Boni. “E como a gente compra em quantidade, consegue ter um preço melhor. A gente pesquisa bastante, negocia com os fornecedores, então acaba que fica mais barato para eles comprarem da gente do que comprarem direto no mercado.”

Proprietário do restaurante Caco Self-Service, Adelair Piacenti Junior também mexeu nos preços no mês passado. Depois de resistir, elevou em 3% o valor cobrado pelo quilo. “Não mudei o cardápio. A gente que trabalha no sistema self-service tem que absorver. A gente procura alternativas, mas não tem como fugir porque muitos alimentos fazem parte da comida do brasileiro.”

Na planilha de compras do restaurante, os hortifrútis foram os que mais aumentaram de preço, impactando o custo final. Batata inglesa, cebola e tomate apresentaram as maiores variações nos últimos meses. “Como nós trabalhamos com molhos artesanais, feitos com tomate in natura, impactou mais ainda os nossos custos. A gente vai absorvendo as altas, mas não consegue segurar o preço. Os clientes acabam entendendo.”

Em maio, a batata inglesa, o leite e o tomate foram os itens da cesta básica que mais subiram de preço em Londrina, segundo pesquisa do NuPEA (Núcleo de Pesquisas Econômicas Aplicadas) da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná). A batata teve alta de 41,3%, o leite subiu 24,1% e o tomate registrou variação positiva de 15,2%.

“Esses aumentos estão relacionados aos fenômenos climáticos, mercado internacional e aos períodos de entressafra”, avaliou o professor de economia da Faculdade Anhanguera, Elcio Cordeiro da Silva. “Segundo informações do próprio IBGE, a alta de preços da batata inglesa está ligada às chuvas que castigaram o Rio Grande do Sul, que é uma das principais regiões produtoras, e ao período mais vagaroso da safra e das secas, que resultou na redução da oferta.”

No Paraná, destacou o economista, os fatores climáticos, com períodos de excesso de calor e chuvas acima da média, também afetaram a produção de hortaliças e frutas. “Além desse fator, o produtor tem enfrentado um maior custo de produção. Houve aumento nos preços do combustível e dos insumos agrícolas. Em regiões que demandam irrigação, o custo com energia elétrica também impacta o custo de produção.”