O velho caseiro passa a cuia, o moço forasteiro pergunta se, com tanto vírus por aí, não tem perigo de contaminação. Ah, é perigoso, diz outro lhe tirando a cuia das mãos:

- A pessoa pega prontice. É, fica pronta pro que der e vier. Meu pai tomava três cuias, depois colhia três sacas de milho despalhando ali mesmo na roça, e levava pra casa no lombo.

- Nas costas? – o moço se espanta – Três sacas duma vez?

Não, o outro explica, uma saca de cada vez, até porque não era um caminho curto, dava quilômetro.

- Um quilômetro levando saca cheia de milho nas costas?

- No lombo, pra minha avó fazer pamonha pra colônia toda, e, quando ele chegava com a terceira saca, ela já tinha ralado as espigas da primeira. Então chimarrão não sei que doença pode dar, sei é que dá disposição.

O moço deixa de novo a cuia passar, recolhe-se ao celular. E não demora para anunciar:

- Pois é, aqui diz que chimarrão é antioxidante, é rico em vitaminas e sais minerais, ajuda a reduzir triglicerídeos, colesterol e gordura visceral, e também tem efeito anti-inflamatório!

O velho e o outro se olham fingindo espanto, o moço continua:

- Chimarrão também é diurético e auxilia na regeneração celular.

- Procê ver – diz o velho ao outro – como é ruim a gente não saber das coisas, pois, se eu soubesse disso, tinha começado antes a tomar chimarrão.

- E – pergunta o moço – o senhor começou quando?

Não lembro, diz o velho:

- Mas minha mãe contava que larguei o seio dela pra pegar a cuia de meu pai.

O moço embatuca, o velho pede desculpa:

- É que brincar faz parte da roda de chimarrão, a gente se acriança. E é por isso também que em roda de chimarrão se conta tanta história, criança gosta. Tomando chimarrão meu vô contava que lutou em revolução, e minha vó lembrava que, enquanto ele lutava, ela labutava, com dois filhos na saia e outro na barriga.

No silêncio, ouve-se a cuia sendo chupada, depois o velho continua com voz longe:

- Chimarrão também irmana. Toma da mesma cuia o empregado e o patrão, quem vota assim e quem vota assado, a gente é irmão de mate quente.

O outro acresce:

- E no Brasil todo tem gente do Brasil inteiro, é uma misturança abençoada, mas todos depois de um tempo esquecem que foram paulistas ou paranaenses ou baianos... Menos os gaúchos, esses sempre lembram que foram e continuam sendo gaúchos, porque continuam tomando chimarrão.

É uma identidade então, sussurra o moço, o velho corrige: é mais, é uma bênção.

- E... – arrisca o moço – recusar chimarrão acaso é ofensa?

Não, garantem rindo, só não deve cuspir na cuia.

Então ele pega a cuia, olha bem a boquilha, põe na boca, sorve, sorve mais, e mais, até falar que é bom, né, é bom!

O velho estende a mão, o moço aperta, o velho informa:

- Era pra pegar a cuia. Em roda de chimarrão, só não pode reter a cuia, irmão. Mas pode dar mais um gole.

Riem, e a cuia continua de mão em mão ou de irmão em irmão.