O esporte tem sido usado como propulsor de transformação de adolescentes em conflito com a lei em Londrina. Há cerca de um ano, o projeto Nova Jornada é desenvolvido com jovens internados nos Censes (Centros de Socioeducação) um e dois e na Casa de Semiliberdade. “O projeto surgiu da necessidade de ofertar para os adolescentes em conflito com a lei a prática esportiva, porque é um direito do adolescente e está previsto no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e também na lei que rege o sistema”, destaca a agente socioeducativo Marluce Zambrin.

A servidora é a idealizadora e coordenadora da iniciativa, que contempla cerca de 50 garotos entre 13 e 17 anos. Além de ter a prática esportiva de várias modalidades dentro das unidades, num trabalho diferenciado em relação às aulas de educação física, eles têm a oportunidade de irem até os lugares participarem das atividades. As saídas são avalizadas pela Justiça e eles são acompanhados pelos agentes.

Uma parceria com a FEL (Fundação de Esportes de Londrina), que ajuda associações e entidades por meio do Feipe (Fundo Especial de Incentivo a Projetos Esportivos), permite a oferta do esporte.

“A oferta do esporte para o adolescente que não está em conflito com a lei já é difícil. Imagina para um adolescente que tem todas a situação de vulnerabilidade. O fato de o adolescente sair da unidade para praticar a atividade é muito mais prazerosa do que levar um professor para dentro da unidade. Tem toda uma questão de pertencimento que o adolescente sente ao participar da atividade junto com a comunidade”, pontua.

Entre as modalidades hoje desenvolvidas estão futsal, vôlei, futebol, atletismo, canoagem para lazer, xadrez. “Também procuro levar oficinas para dentro das unidades. Tivemos a oficina de badminton, por exemplo, em que o técnico de badminton da cidade foi até o Cense e passou uma tarde toda com todos os adolescentes. Está agendada a oficina de rugby”, comenta.

Marluce Zambrin idealizou o projeto: "Esporte escolhe o talento e a vontade da pessoa"
Marluce Zambrin idealizou o projeto: "Esporte escolhe o talento e a vontade da pessoa" | Foto: Pedro Marconi

Os adolescentes que se destacam têm a oportunidade de participar de campeonatos, como é o caso do xadrez, fomentando ainda mais a visão de que é possível superar o caminho da criminalidade. “No xadrez os meninos estão participando todo mês do torneio em Londrina. Eles praticam dentro da unidade, o professor identifica quem joga bem e nós fazemos a inscrição deles, levamos no domingo para o torneio”, cita.

‘FÍSICO E A MENTE’

Nos gestos e nas palavras, os jovens têm demonstrado o impacto positivo do projeto na vida deles. “Ajuda a manter o físico, o corpo, a saúde boa, a mente em dia. É bem legal os exercícios que fazemos, sempre tem algo novo para fazer nas atividades. Quero que sempre tenha mais atividades”, resume um adolescente.

“O esporte é uma ferramenta de inclusão. Ele é democrático: não escolhe a cor, idade, condição social. Ele escolhe o talento, a vontade da pessoa. O esporte consegue trazer a transformação de dentro para fora, que é o que o adolescente precisa. A conscientização de como pertencer novamente, de se restabelecer quando estiver fora da unidade. Depois que sair da unidade ele vai poder continuar o esporte, não vai perder o vínculo”, valoriza Marluce.

OLIMPÍADA

Para o início de julho está sendo preparada uma olimpíada entres os adolescentes dos dois Censes e da Casa de Semiliberdade, o que tem movimentado todos os internos e funcionários. “A semana dos jogos, que vai ser voleibol, xadrez, futsal, tênis de mesa e atletismo, terão as equipes que vão jogar entre si e disputarão essas modalidades. Para os meninos é algo inédito e está todo mundo muito animado”, afirma.

O tema tem sido trabalhado durante este mês de junho unindo o esporte e a educação. “Eles estão aprendendo como é a Olimpíada, como surgiu, a escolha da França como país sede, como é a França, o que tem lá. É um trabalho multidisciplinar. As equipes terão nomes de cidades francesas. Tem toda uma cultura será inserida para o momento que conseguirem acompanhar os jogos terem um olhar diferente.”

Processo socioeducativo contempla atividades diversas

O Paraná conta atualmente com 28 unidades socioeducativas, sendo 19 Censes (Centros de Socioeducação), que atendem as medidas de privação de liberdade, e nove Casas de Semiliberdade, de restrição de liberdade, em que os adolescentes são inseridos nas atividades da comunidade. “Todas as unidades ofertam atividades esportivas para os meninos e meninas e dispõem de espaço físico para as práticas esportivas”, explica o coordenador estadual de Gestão do Sistema Socioeducativo da Seju (Secretaria da Justiça e Cidadania), Alex Sandro da Silva.

O coordenador frisa que o processo socioeducativo nas unidades para menores em conflito da lei contempla várias atividades, além do próprio esporte. “Como a qualificação profissional, educação na modalidade de educação de jovens e adultos nas unidades de privação e também adolescentes incluídos na educação formal nas escolas da comunidade. São encaminhados para os programas de aprendizagem para acesso ao trabalho protegido”, elenca.

Em breve deve começar o projeto de karatê para todas as unidades. “A prática de esportes, por exemplo, contempla o reconhecimento nos territórios da existência e a possibilidade de acesso aos espaços destinados à prática esportiva. Não podemos desconsiderar a dimensão da saúde que é afetada positivamente pela atividade física”, frisa. “Certamente a experiência de Londrina motivará outras unidades para fazer suas olimpíadas”, acrescenta.

‘COMUNIDADE PRECISA ABRAÇAR’

Marluce Zambrin ressalta que, no caso de Londrina, o apoio do poder Judiciário foi fundamental para que o projeto Nova Jornada se tornasse uma realidade, por meio da juíza Cláudia Catafesta, da Vara de Adolescentes em Conflito com a Lei de Londrina. “Ela que que ‘abriu os olhos’ da socioeducação em Londrina. Foi um trabalho de formiguinha para conscientizar que a socioeducação é algo que a comunidade inteira precisa abraçar. Não é só obrigação do Estado, mas também do município. Devido a essa ‘caminhada’ que conseguimos chegar onde estamos agora”, lembra.

O objetivo da servidora é fazer da iniciativa londrinense uma política com alcance estadual. “Que todas os municípios com Cense possam trabalhar o esporte de uma forma sistematizada, porque o esporte é diferente da aula de educação física. Aulas de educação física eles têm igual todo o menino tem na escola. É um componente do currículo”, projeta a servidora, que antes de entrar no serviço público trabalhou diretamente com o esporte.